Será que a cannabis medicinal pode ajudar a reduzir o número de medicamentos utilizados por idosos?

Em virtude do aumento da prevalência de doenças ao longo do envelhecimento, a ocorrência simultânea de múltiplas doenças crônicas é um fenômeno frequente e que aumenta progressivamente com o avançar da idade. Esta condição é conhecida como “multimorbidade” e se refere à ocorrência simultânea de 2 ou mais doenças médicas ou psiquiátricas, que podem ou não interagir entre si, em um mesmo indivíduo.

Principais doenças crônicas que acometem a saúde do idoso

Dentre as principais doenças crônicas que acometem a saúde do idoso podem ser citadas: as doenças osteoarticulares, a hipertensão arterial sistêmica, as doenças cardiovasculares, o diabetes mellitus, as doenças respiratórias crônicas e o câncer.

A prevalência de algumas dessas doenças eleva-se a partir dos 60 anos, em especial as cardiovasculares e as osteoarticulares. Outras condições, apesar de igualmente importantes nessa faixa etária, raramente aparecem nas estatísticas usuais, como: a incontinência urinária e fecal, as quedas, as síndromes de imobilidade e as demências.

A “multimorbidade” implica, portanto, a associação de algumas dessas doenças e síndromes, tornando-se uma condição clínica de grande relevância para a atenção à saúde do idoso por ser extremamente comum nessa faixa etária e por implicar um aumento de complexidade do manejo terapêutico dessa população.

Polifarmácia

Os desafios para a assistência à saúde do paciente idoso com múltiplas doenças crônicas merecem atenção especial do médico geriatra e dos demais profissionais de saúde, nas mais diversas circunstâncias. Dentre esses desafios pode-se destacar a presença do que tem sido denominado de “polifarmácia”, ou seja, um fenômeno que se relaciona ao fato de que os pacientes que apresentam múltiplas doenças crônicas e que realizam um maior número de consultas médicas utilizam uma quantidade maior de medicamentos e estão sob risco aumentado de receberem uma prescrição inapropriada. Mesmo quando a medicação está indicada de modo correto, a “polifarmácia” está associada a maior impacto das doenças, custos e risco de efeitos relacionados à interação medicamentosa.

Assim, o uso de medicamentos pela população idosa constitui-se hoje uma verdadeira epidemia, cuja ocorrência está em parte relacionada a este cenário de aumento exponencial da prevalência de doenças crônicas e das sequelas que acompanham o avançar da idade. No Brasil estima-se que 23% da população consome 60% da produção nacional de medicamentos, especialmente as pessoas acima de 60 anos.

O Estudo Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (SABE) realizado com 2.143 idosos da cidade de São Paulo mostrou que 84,3% deles utilizavam pelo menos um medicamento. As repercussões potenciais desse uso podem ser consideradas um importante problema de saúde pública, pois estão relacionadas a maiores comprometimentos de saúde da população idosa. Nos Estados Unidos, por exemplo, para cada dólar gasto em medicamento são gastos US$ 1,33 para tratar adversidades relacionadas à toxicidade medicamentosa.

Ao mesmo tempo em que o envelhecimento populacional está relacionado ao aumento do consumo de medicamentos na sociedade contemporânea, é preciso não perder de vista que a história da terapia medicamentosa tem sido, em grande medida, um movimento progressivo de distanciamento em relação a produtos naturais de composição e potência desconhecida ou variável, em direção ao uso de compostos ativos puros de composição precisamente conhecida, com estabilidade, dosagem e propriedades farmacológicas bem determinadas, indicações restritas e muito específicas para determinadas doenças. De certa forma, este movimento de industrialização progressiva da produção de medicamentos explica o porquê de determinados produtos fitoterápicos, como a cannabis medicinal, terem caído em desuso há quase um século, inibindo os avanços no conhecimento da química e da farmacologia dos canabinoides. Mais recentemente tem ocorrido, entretanto, um renascimento do interesse por estudos clínicos que avaliam os efeitos terapêuticos dessas substâncias derivadas da maconha.

Em se tratando de uma população acometida por diversas doenças crônicas e que faz uso contínuo de um grande número de medicamentos, a multiplicidade de efeitos terapêuticos ocasionados pelo uso da cannabis medicinal pode ser extremamente benéfica tanto para o controle de sintomas dessas doenças, quanto para reduzir o número de medicamentos consumidos. Dos efeitos agudos da cannabis medicinal, os seguintes parecem oferecer uma possível aplicabilidade terapêutica em diversas condições que acometem a população idosa:

  • Efeitos euforizantes e ansiolíticos em baixas doses, como possível tratamento para depressão e ansiedade;
  • Ação anticonvulsivante, como terapia adjuvante para epilepsia;
  • Analgesia;
  • Ação contra a náusea e o vômito no tratamento de pacientes recebendo radioterapia ou quimioterapia para AIDS ou câncer;
  • Estimulação do apetite em pacientes com anorexia e síndromes debilitantes;
  • Redução da pressão intraocular no tratamento do glaucoma;
  • Broncodilatação no tratamento da asma;
  • Ação imunossupressora no tratamento de doenças autoimunes ou para prevenir a rejeição de órgãos ou tecidos transplantados.

Por fim, é necessário que mais estudos científicos investiguem os potenciais desses efeitos terapêuticos na população idosa, para que a cannabis medicinal cada vez mais se constitua como uma alternativa segura e eficiente para tratar a “multimorbidade” e reduzir a “polifarmácia” nesta população.

Fonte:

  • Harold Kalant. Medicinal use of cannabis: History and current status. Pain Res Manage Vol 6 No 2 Summer 2001.
  • Silvia Regina Seccli. Polifarmácia: interações e reações adversas no uso de medicamentos por idosos. Rev Bras Enferm, Brasília 2010 jan-fev; 63(1): 136-40.
  • Wolff JL, Starfield B, Anderson G. Prevalence, expenditures, and complications of multiple chronic conditions in the elderly. Arch Intern Med 2002; 162: 2269-76.
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